sábado, 23 de março de 2013

O SUCESSO DE UM SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA




          Uma dos trabalhos mais gratificantes que desenvolvi em minha vida profissional foi decorrência de duas decisões tomadas antes mesmo de concluir o curso universitário.

A primeira foi trabalhar na CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais), empresa onde atuei durante 35 dos primeiros 36 anos de minha vida de geólogo. Eu queria trabalhar naquela empresa, mas a demora em me chamarem me levou inicialmente para outra. O chamado da CPRM veio uma semana depois de eu assumir nesta outra, mas aí preferi ficar ali, só saindo treze meses  depois.

A CPRM era uma empresa de economia mista recém-criada e ninguém sabia ao certo como seria seu futuro. Aliás, seu surgimento foi recebido com críticas de vários brasileiros ilustres, como Roberto Campos e Glycon de Paiva (que era geólogo). Por que então meu entusiasmo e interesse por ela? É que a empresa atuaria em todo o país e em todas as áreas da pesquisa mineral, com exceção de petróleo (que era monopólio da Petrobras) e minerais nucleares (monopólio da Nuclebras).  Essa diversidade de atuação me atraía e, de fato, ela me permitiu trabalhar com mapeamento geológico no Nordeste, com pesquisa de carvão e de gemas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina e com supervisão de projetos no Rio de Janeiro.

      A outra decisão foi falar sobre Geologia com quem era leigo no assunto sempre de um modo acessível, de fácil entendimento, pois era uma ciência, na época da minha formação universitária, muito desconhecida. De certo modo ainda é, mas hoje bem menos.

Esse interesse em divulgar a Geologia e a diversidade de atuação da CPRM me fizeram ver, em 1998, quando já estava nela havia 16 anos, que nenhuma empresa brasileira estava mais capacitada que ela para esclarecer dúvidas do grande público sobre Geologia, fossem jornalistas, professores, alunos ou o cidadão comum. E aí me veio a ideia de propor que a companhia se dispusesse a fazer isso, e num serviço gratuito, já que era uma empresa controlada pelo governo federal.

Em 11 de maio de 1998, atuando na Superintendência Regional de Porto Alegre, depois de haver trabalhado em Salvador, Rio de Janeiro e Criciúma (SC), elaborei um documento propondo a criação do serviço Pergunte a Um Geólogo (PUG). Através dele, a CPRM, mais precisamente a nossa superintendência regional se disporia a responder qualquer consulta técnica sobre Geologia que fosse feita à sua equipe de geólogos e engenheiros. 

Três dias depois, submeti a proposta ao superintendente regional, Cladis Presotto, que a achou “excepcional”. No dia 19 daquele mês, porém, quando ela foi apresentada em uma reunião com todos os gerentes e supervisores (eu era um dos supervisores), a aprovação se deu com algum receio e nenhum entusiasmo.

No início de mês seguinte, divulguei o Pergunte a Um Geólogo em toda a empresa, através de correspondência interna e no dia 24 daquele mês, foi impresso um pequeno folder com mesma finalidade.

Em 3 de julho, o superintendente regional falou sobre a iniciativa numa reunião realizada na sede nacional da empresa, e contou, na volta a Porto Alegre, que a apresentação da ideia fora um sucesso.

O PUG ganha o mundo

Mas, até aí, o PUG andava devagar. Era pouco conhecido e, portanto, pouco utilizado.

Quatro dias depois, entretanto, em 7 de julho de 1998, ele passou a estar disponível na internet, no site da companhia. E aí tudo mudou. Os usuários não precisavam mais mandar suas perguntas por carta, podendo simplesmente usar um e-mail.

Com isso, já no dia seguinte, recebi cinco perguntas e no dia 9, mais duas. E no dia 10, o presidente da CPRM, Carlos Oiti Berbert, reconhecendo a importância da iniciativa, pediu que todas as superintendências regionais (eram umas nove) implantassem o Pergunte a Um Geólogo.

E as perguntas continuaram chegando.

O volume sempre crescente de consultas acabou exigindo uma reunião do superintendente de Porto Alegre com sua secretária, o gerente de Relações Institucionais e Desenvolvimento (Geride) e eu para acertarmos o modo como seriam controladas as respostas enviadas.

Em 27 de julho, uma surpresa: chegou o primeiro pedido procedente do Exterior, mais especificamente do Canadá. Estava indo longe nosso serviço, graças, é claro, ao imenso alcance da internet. 

Problemas

Pela descrição que fiz até aqui, tudo corria às mil maravilhas. Mas, não era assim.

Perguntas relacionadas com minerais, pedras preciosas e alguns outros assuntos eu mesmo respondia. Mas, quando chegavam questões ligadas a áreas que exigiam outros especialistas, era preciso repassar a consulta a eles. E aí começou a haver pequenos problemas.  O Pergunte a Um Geólogo era um trabalho voluntário e sem equipe própria, que dependia da boa vontade dos técnicos da empresa. Só que, compreensivelmente, nem todos estava dispostos a assumir uma tarefa extra, principalmente algo que alguém de outra gerência havia inventado...

O PUG não era um serviço da Geride, nem mesmo da nossa superintendência apenas. Ele devia estar disponível em todas as unidades regionais da CPRM, conforme decidira o presidente. Mas, a boa vontade não era a mesma em todos os setores, e foi preciso ter jogo de cintura para levar a ideia adiante.

Felizmente, veio de cima uma decisão que me tranquilizou: em 27 de julho recebemos memorando dando conta que, a partir daquela data, o Pergunte a Um Geólogo passava a ser um serviço de âmbito nacional, centralizado no Rio de Janeiro. Uma coordenação lá criada receberia as perguntas e as distribuiria entre os membros de uma equipe de voluntários.

Isso me deixou mais tranquilo, mas também com uma sensação desagradável de perda. Era algo como ver um filho tornar-se adulto e partir, assumindo sua própria vida, escapando ao nosso controle. Era bom, era natural e era necessário, mas foi inevitável um pouco de tristeza também.

Surpreendentemente, porém, continuamos recebendo muitas consultas enviadas diretamente a Porto Alegre, reflexo talvez da grande divulgação que aqui fazíamos do serviço.

Dois anos após a criação do PUG, em 9 de abril de 2000, sua coordenadora nacional, Tania Freire, criou, no site da CPRM, uma página do tipo FAQ (frequently asked questions), reunindo as respostas às perguntas feitas com mais frequência. Com isso, os usuários eram aconselhados a consultar aquela página antes de enviar sua consulta, pois a resposta desejada podia já estar lá.


      O sucesso do Pergunte a Um Geólogo continuou crescendo, e, em 20 de outubro de 2006, a revista Planeta incluiu-o na seção Sites que Valem Ouro, mantida pela revista.

Laços que não se rompem. O Canal Escola.

    Em julho de 2007, desliguei-me da CPRM e, fazendo isso, pensava estar me desligando também do serviço de utilidade pública que eu criara nove anos antes. Ledo engano...  A empresa continuou pedindo minha colaboração, enviando-me consultas relacionadas com minerais e gemas, principalmente. Embora já sem vínculo trabalhista com a companhia, o amor à camiseta não me permitiu negar o apoio.

     E um ano depois, em 7 de agosto de 2008, recebi uma proposta surpreendente. Surpreendente e irrecusável. A CPRM propôs me contratar por três meses para revisar e ampliar o FAQ do Pergunte a Um Geólogo, escrevendo artigos de divulgação científica para uma página que seria criada no site da empresa e que se chamaria Canal Escola. A remuneração era boa e o trabalho agradável. Além disso, me permitiria suprir uma deficiência que eu sabia existir: o Pergunte a Um Geólogo, fora sempre uma de muitas atividades que eu desenvolvia na empresa e, por isso, eu só conseguia responder as perguntas de modo bastante resumido. Eram textos curtos, restritos ao que o cliente perguntava. Com o Canal Escola, eu poderia ampliá-los e dar informações adicionais relevantes sobre o assunto.

Esse novo trabalho de divulgação cientifica começou em outubro e, decorridos os três meses do contrato, havia resultado em 22 artigos (ver relação no final). Isso me deixou satisfeito, pois se estava oferecendo agora aos internautas algo bem mais consistente em termos de informação científica.

Passado um tempo, em 2010 tive outra boa surpresa: a CPRM renovou a proposta e fui contratado por mais três meses com a mesma finalidade, e escrevi para o Canal Escola, por coincidência, outros 22 artigos, estes, porém, totalmente inéditos.

Mas, as boas surpresas trazidas pelo Canal Escola não haviam acabado. Ele passou a ser usado não apenas por estudantes e professores, como se esperava, mas também por editoras de livros didáticos. E muitas vezes elas procuraram – e continuam procurando – a CPRM, solicitando autorização para reproduzirem em suas obras, textos existentes no Canal Escola. A empresa tem deixado essa decisão sempre comigo e eu, é claro, sempre concordo. Não fosse assim, eu estaria traindo os objetivos e princípios que levaram à criação do Canal Escola e traindo também os milhares de estudantes que visitaram o Museu de Geologia da empresa quando eu era seu coordenador e que continuam indo lá em busca de conhecimento sobre Geologia. 
Em 2013, deveremos fazer uma revisão, atualização e ampliação do conteúdo hoje existente, tornando ainda melhor essa fonte de divulgação científica da Geologia. 

Uma história semelhante

Sem saber da história do Pergunte a Um Geólogo, ou conhecendo-a apenas superficialmente, meu filho, Daniel de Moraes Branco, criou um serviço muito semelhante, o Medicínia.    
Trata-se de um site (medicinia.com.br) em que uma equipe de mais de cem médicos responde a dúvidas dos internautas sobre saúde, sem  prescrever tratamento. 
Ao contrário do PUG, desde o início foi organizado em bases muito profissionais, embora o atendimento seja também gratuito. Já o usei duas vezes e me surpreendi com a rapidez e a qualidade das respostas recebidas.




ARTIGOS ESCRITOS PARA O CANAL ESCOLA 
DISPONÍVEIS EM WWW.CPRM.GOV.BR



A Terra em números

Os terremotos

O que são e como se forma os fósseis?

Como identificar os minerais

Mineral, rocha ou pedra?

Os metais preciosos

Como sabemos a idade das rochas

O geólogo e a Geologia

Pedras preciosas, metais nobres e pedras ornamentais

Os minerais e os colecionadores

Coisas que você deve saber sobre a água

Os meteoritos

O real tamanho do nosso planeta

Os dinossauros

Breve história da Terra

Não existem pedras semipreciosas
Fatores que determinam o preço das gemas

As rochas

Os vulcões

A identificação de pedras preciosas lapidadas

Forças que atuam na superfície da Terra

A diversidade das gemas brasileiras

O petróleo

Os minerais argilosos

O âmbar – uma gema com registro de vida

Os elementos que caracterizam o clima

Os pigmentos minerais

A estrutura interna da Terra

Como ser dono de uma mina

Nossos vizinhos do sistema solar

Os desertos

As gemas tratadas

Espeleologia, o estudo das cavernas

Os sistemas cristalinos

O diamante, uma gema singular

O petróleo do pré-sal

As águas minerais

A produção mineral brasileira

Os muitos usos do diatomito

Os corais

A fluorescência dos minerais

O intemperismo e a erosão

Algumas gemas clássicas

A utilidade dos minerais




2 comentários:

  1. Fiquei muito feliz em ter tido a oportunidade de visualizar tuas postagens. Parabéns, és muito especial. Abraços.

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  2. Obrigado, Neneca. Cada um a seu modo, todos nós somos especiais. Você, por exemplo, é especial e merece parabéns pelo trabalho que faz com a garotada em defesa das tradições gaúchas. Um abraço.

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